segunda-feira, 1 de abril de 2013

Caetano Veloso em Fortaleza




Foram os produtores ingleses, no começo dos anos 1970, que convenceram Caetano Veloso a tocar violão em seus discos. Ele mesmo não confiava em sua técnica “sem técnica” de puxar as cordas de náilon ao ponto de perpetuá-la em gravações, mas os gringos argumentaram que aquele jeito era o bonito, o original, o que devia ser. E que, mais do que a mão de qualquer violonista contratado, seu toque daria a sinceridade que aquelas canções tão pessoais e carregadas de autobiografia exigiam. Os álbuns “Caetano Veloso” (1971) e “Transa” (1972) foram os primeiros feitos assim, com o cantor e compositor também ao violão.



Há cerca de um ano, talvez um pouco mais, Caetano me disse que planejava ver essa batida no centro da questão do que seria seu terceiro trabalho em estúdio com a BandaCê. Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclados) e Marcelo Callado (bateria e percussão) trabalhariam a partir dela, em seu contorno. Usariam seu violão como motivo e como motor para criar os arranjos da nova safra de transambas, de tranrocks e do que mais ele viesse a compor para o disco. Era um caminho pertinente, já que os dois álbuns ingleses de exílio (sobretudo “Transa”) são a raiz de tudo o que ele e os meninos desenvolvem desde 2006 – e estão nessa conta os ótimos “Cê” (2006), “Zii e Zie” (2009) e os registros de seus respectivos shows, o “Multishow ao Vivo – Cê” (2007) e o “MTV ao Vivo – Zii e Zie” (2010).



Este “Abraçaço” é o tal terceiro disco. O álbum que fecha sua trilogia com a BandaCê. Como os dois primeiros, foi produzido a quatro mãos por Moreno Veloso e Pedro Sá. Mas sua temática acabou por se revelar mais abrangente do que os planos iniciais de Caetano. A batida de seu violão está presente na maior parte das músicas que o compõem, mas essa é apenas umas das conversas do disco. O próprio título, tirado da faixa “Um Abraçaço” – expressão que o cantor usa para finalizar alguns e-mails e sugere, segundo ele, não só um abraço grande, mas um abraço espalhado, abrangente ou múltiplo – confirma essa ideia de conceito alastrado. “Abraçaço” já é, portanto, o pós-tudo do que foram o adolescente “Cê” e o maduro “Zii e Zie”.





A conversa de “A Bossa Nova É Foda”, faixa que abre o disco num soco (como Caetano costuma abrir seus discos), passa por João Gilberto. Mais do que um violonista ou um cantor, ele é ali o “bruxo de Juazeiro”, o promotor da reinvenção do Brasil. A letra de Caetano fala no “velho transformou o mito das raças tristes em Minotauros, Junior Cigano, em José Aldo, Lyoto Machida, Vítor Belfort, Anderson Silva e a coisa toda”. É a ideia do homem que nasce destinado a fraquejar, mas se faz campeão de UFC – que reverbera, em algum sentido, o discurso de Jorge Mautner, que vê o Brasil como criador de uma “Coisa Nova” onde o todo o planeta poderá beber. Também dialoga com a teoria de Tom Zé, segundo a qual o nosso país começou o ano de 1958 como exportador de matéria-prima, “o grau mais baixo da aptidão humana”, e, a partir da invenção musical de João, terminou o mesmo ano exportando arte ao mundo, “o grau mais alto da aptidão humana”. A Bossa Nova é foda.
“Funk Melódico” é parente direto de “Miami Maculelê”, aquele funk carioca que Caetano compôs no ano passado para o disco “Recanto” (2011), de Gal Costa. A letra sampleia o Noel Rosa do samba “Mulher Indigesta” (aquela que merece um tijolo na testa) e o Vinicius de Morais da canção “Medo de Amar” (para quem o ciúme é o perfume do amor). A nova criação entra com nota altíssima na crescente galeria de temas de “amor pelo avesso” que Caetano vem criando, onde também moram “Não Enche” e “Odeio”, todas boas demais.
 “O Império da Lei” foi feita depois de Caetano assistir" “Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios”, filme de Beto Brant e Renato Ciasca, baseado no livro de Marçal Aquino.
 Em "Um comunista" (faixa que dura 8 minutos e 36 segundos), ele mistura a própria biografia à do guerrilheiro baiano Carlos Marighella, morto pelos militares em 1969. “O baiano morreu/ Eu estava no exílio/ E mandei um recado/ Que eu que tinha morrido/ E que ele estava vivo/ Mas ninguém entendia./ Vida sem utopia/ Não entendo que exista:/ Assim fala um comunista.”
Em “Cê” (como no “Recanto”, da Gal), todas as canções, música e letra, eram exclusivamente de Caetano, sem qualquer intervenção de outro autor. “Zii e Zie” abriu para uma parceria com Pedro Sá e covers de dois sambas clássicos. Em “Abraçaço”, tudo é inédito. Mas duas pessoas intervieram.
“Parabéns” era o que estava escrito no subject de um e-mail de aniversário que o cineasta Mauro Lima – diretor de “Meu Nome Não É Johnny” e “Reis e Ratos” – enviou a Caetano dois anos atrás. Ficou sendo o título da canção que tem como letra o que ele escreveu no e-mail. Nenhuma palavra foi acrescentada ou retirada. A música estaria no disco de Gal Costa, mas não coube lá. Coube agora.
“Gayana” foi escrita por Rogério Duarte, um dos idealizadores fundamentais da Tropicália que acabou ficando mais conhecido por seu trabalho como artista plástico (são deles as capas dos primeiros discos tropicalistas de Caetano e Gil e o deslumbrante cartaz do filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha). “Gayana” é naturalmente pop. Até parece um daqueles clássicos do carnaval baiano, que a gente já conhece sem saber como, mas cantado mansamente. Caetano conheceu a música a partir de um vídeo enviado por Rogério, em que o próprio autor a interpretava, cantando e tocando violão clássico.
Musicalmente, faixas como “Quero Ser Justo” e “Vinco” poderiam estar em qualquer outro tempo da obra de Caetano, antes ou depois. O que as estrutura no disco é sua força como canções, letra e música – não importa tanto que arranjo as embrulhe.
 “Quando o Galo Cantou” também corre por aí. A música é apresentada inteirinha só com voz, violão e baixo, e o restante da BandaCê só interage com isso tudo na repetição. É canção de pós-sexo, pós-orgasmo: “O que fiz pra merecer essa paz que o sexo traz?” Mais íntima ainda que essa, “Estou Triste” é um dos mais belos retratos musicais do estado de depressão de todos os tempos. De tão dolorida, parece irmã de “Para um Amor no Recife”, de Paulinho da Viola. Nada pode dizer tão profundamente sobre a tristeza do que versos como “Por que será que existe o que quer que seja?”, “Eu me sinto vazio e, ainda assim, farto” e “O lugar mais frio do Rio é o meu quarto”. Ninguém que nunca tenha passado por isso seria capaz de descrição tão absoluta. É tão sincera que não é possível que não seja autobiográfica.
Não deve ser por acaso que a batida do violão de Caetano estruture o caminho dessas duas faixas, as mais sinceras, pessoais e autobiográficas de “Abraçaço”. Os produtores ingleses estavam cheios de razão.



Texto Marcus Preto e fotos Fernando Young








Serviço:

Data: 6 de abril de 2013
Local: Centro de Eventos do Ceará
Abertura da casa: 20:00h
Início do show: 22:00h
Ingressos: Cadeiras Individuais: R$ 50,00 (meia-entrada) | R$ 100,00 (inteira)
Mesas (p/ 4 lugares): Premium: R$ 180,00 (por pessoa) | Ouro: R$ 150,00 (por pessoa)
Vendas: Sonho dos Pés: Via Sul, Benfica e Jardins Open Mall
Informações:  85 3230-1917

Nenhum comentário:

Postar um comentário